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25/07/2021 às 11h40min - Atualizada em 25/07/2021 às 11h40min

BATE-BOCA LETAL

Por Redação - Jeane Tertuliano

Após um longo dia de trabalho, fui-me, como sempre o faço, ao The Raven Pub. Eu havia discutido com a minha esposa e parti em disparada rumo ao meu refúgio. Caminhei até o balcão e pedi two pints of Forsters. Havia uma considerável quantidade de pessoas no estabelecimento, situações do tipo tendiam a me deixar inquieto, cheio de dedos. Analisei os perfis da clientela tal qual um sociopata, e concluí que eu não me encaixava àquele meio, não naquela noite, com tantas pessoas ébrias de alegria. 

Enquanto eu encarava o relógio no meu pulso, ansioso por não sei o quê, uma algazarra repentina se fez ouvir na mesa próxima à minha retaguarda. Com uma olhadela, vislumbrei a cena que se desenrolava desastrosamente, privando-me da divagação a qual eu houvera submergido. Respirei fundo, eu precisava ignorar o conflito alheio, pois os meus já eram desastres em iminência. O homem calvo que grunhia ensandecidamente com o barman parecia não saber a hora de fechar a maldita boca. 

Os meus dedos tamborilavam incessantemente o balcão. A leve inquietação fora substituída por um nervosismo incomensurável, acarretando uma extensa produção de suor, coisa que torna o ser humano ainda mais intolerável. Fechei os olhos. Inspirei e expirei vagarosamente por instantes que pareceram uma eternidade, buscando por uma calmaria que eu houvera esquecido em casa, e que possivelmente minha adorada companheira dera descarga na dita cuja sem ao menos pestanejar.

— CHEGA! — vociferei repentinamente. As pessoas ao redor de mim me encararam com esferas repletas de assombro. Por um momento, eu senti vontade de gargalhar. Espantar o contentamento odioso que reinava no recinto com apenas um berro (MEU BERRO!) foi um feito e tanto.

Como eu estava de costas para o brutamonte, ele não percebeu que eu fui o autor da repreensão e, por essa razão, grasnou:

— Quem disse isso? QUEM?! 

— Fui eu quem falou pelos clientes, por quê? Acha que pode trazer os maus costumes de casa consigo à qualquer lugar? Você me enoja de tal forma… Eu juro que tentei me resguardar, manter a minha ira no lugar mais obscuro do meu ser, mas VOCÊ é insuportável! Pra o diabo com o seu relinchar sem fim! — praguejei, desocupando o assento.

O barman, nervoso com a balbúrdia, se pôs entre nós e pediu com uma gentileza gélida para que nos contivéssemos. Eu apontei com o queixo para o homem com um olhar endoidecido e falei: “Se esse senhor se portar feito um gentleman, se é que um dia ele soube fazê-lo, prometo retornar ao meu lugar e permanecer silencioso como antes”.

— Como ousa falar comigo dessa forma? Acaso você sabe quem eu sou, dono dos bons modos? 

— Não sei e nem quero saber, meu caro. Voltemos aos nossos lugares e aproveitemos a noite de modo civilizado, certo?

O ogro me fuzilou com o olhar, murmurou “deixe estar” com um meio sorriso despontando ligeiramente numa boca cheia de dentes podres. Automaticamente, estremeci; e a euforia que houvera me tomado e me feito enfrentar o homenzarrão com aparência animalesca, abandonou o meu ser. Após cinco longos minutos (sim, eu contabilizei), decidi que já estava na hora de ir para casa. Inspirei e expirei rapidamente e as minhas pernas me conduziram à porta. Quando passei pelo monstrengo berrante, ele me olhou como se pudesse enxergar o meu âmago e disse: “Até logo, amigo”.

Desviei o olhar dele e seguimos adiante como quem fugia: minhas pernas e o restante de mim. Depois de estar fora do Pub, longe do alcance das garras do meu mais novo algoz, acelerei os passos. Olhei para trás umas duas vezes antes de bater em retirada, temendo ser seguido por ele ou ser pego de surpresa pelas investidas descabidas da minha mente alucinada. Somente quando eu avistei a minha casa, pude relaxar um pouco a musculatura do meu corpo esguio. Sorri nervosamente, sussurrando de mim para mim mesmo: “Você sucumbiu ao desassossego em vão, covarde”. Abruptamente, fui golpeado fortemente na parte traseira da minha cabeça, e sem chance de defesa, fui tragado pela inconsciência.

Não sei por quanto tempo eu estive desacordado, mas a dor lancinante que senti anteriormente, se fez presente após eu haver despertado. O negrume ainda estava lá, chegava a ser palpável de tão intenso. Tentei me mover para longe do breu e percebi, sentindo um arrepio hediondo percorrer a minha espinha: todo o meu corpo estava fortemente envolto por amarras. Inutilmente, tentei me libertar, e quanto mais insistia, mais preso ficava. Quando eu percebi que me encontrava dentro de uma espécie de caixote, urrei de desespero. De repente, me vieram à mente as últimas palavras que o ser bestial houvera me dito antes de eu sair do pub: “Até logo, amigo”. Eu não pude chorar, pois não consegui fazê-lo. Encarei o pretume e fui tomado por um pavor sepulcral ao perceber que ele também estava me encarando.


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