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03/12/2023 às 16h49min - Atualizada em 03/12/2023 às 16h49min

Autor do livro “Salgema – do erro à tragédia” fala sobre implantação da mineradora em Maceió: “Condomínio de culpados”

Cada Minuto
Jornalista Joaldo Cavalcante autor do livro-reportagem, intitulado “Salgema, do erro à tragédia”.

O jornalista alagoano Joaldo Cavalcante, autor do livro reportagem “Salgema – do erro à tragédia”, obra que trata da chegada da Salgema Indústrias Químicas, hoje Braskem conversou com a reportagem do CadaMinuto e revelou, entre outras coisas, que a indústria se estabeleceu em Maceió durante um período político autoritário, e sua implantação foi concebida de forma imposta.

 

No livro “Salgema – do erro à tragédia”, você relata a “chegada” da Salgema à cidade em 1976. Como foi recebida pela população? Houve algum tipo de consulta ou ‘simplesmente’ se instalou?

Pela documentação histórica, o projeto de implantação da Salgema Indústrias Químicas S/A, uma estatal federal, começou lá pelos idos de 1974. Já se sabia da jazida de sal-gema no Mutange, que havia sido descoberta causalmente por sondas petrolíferas. Portanto, de um Estado fornecedor de petróleo para um complexo cloroquímico. Passou-se então a trabalhar a perspectiva da chamada “redenção econômica” de Alagoas por esse viés industrial, que estava em vias de implantação. O governo era autoritário, havia muita perseguição política. Com decisões verticalizadas e sem margem para discussão, o que prevalecia era a voz oficial propalando para a população um novo tempo de oportunidades, de geração de empregos. 

A chegada da Salgema teve “padrinhos” políticos? Quem?

Primeiro, tratou-se de uma imposição da ditadura. A fábrica de cloro-soda, o campo de salmoura e o terminal marítimo foram concebidos durante o governo Afrânio Lages, que desenvolveu o projeto da planta industrial na restinga do Pontal da Barra, onde está hoje a Braskem. Lages foi nomeado governador pelo general Médici. Até a localização da empresa, na região Sul de Maceió, foi uma imposição, porque aí poderia minerar, como fizeram durante quase meio século, no quintal da planta industrial, cujo salmoduto de 8 km transportou durante todo esse tempo a matéria-prima extraída de uma área urbana da cidade e de evidente sensibilidade ambiental pelo ecossistema existente.

O que levou os órgãos ambientais e a classe política alagoana a serem omissos durante todo esse tempo? 

A zona confortável da submissão e da conveniência política levou muita gente importante a praticar a omissão. Na verdade, cheguei à conclusão de que aquele grave erro cometido no passado, transformando-se nessa tragédia que aí está, foi gestado no passar do tempo por uma espécie de condomínio de culpados, com personalidades em diversas instâncias de poder, do município ao governo da União. Por aqui vale destacar a coragem política de uma minoria, que criou o Movimento pela Vida, recepcionado pelo Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, e assim deu voz à saudável contestação do que estava sendo imposto à sociedade. Em nome de todos, rendo homenagens ao professor e ecólogo Jose Geraldo Marques.

Famílias do entorno foram expulsas para sua instalação e hoje, passados quase 50 anos, novamente a empresa volta a expulsar famílias de seus lares. Existe alguma solução para essa dívida social, ambiental e sentimental?

A Braskem é uma poderosa petroquímica global e a Petrobras, como estatal, possui 47% de suas ações. Para se ter ideia, mesmo em plena pandemia, a empresa anunciou lucro bilionário. Hoje, ela importa sal do Chile, que chega aqui por navio após longa viagem pelo Cone Sul. Se ela opera assim é porque dá muito lucro, é a lógica empresarial. Imagine o que obteve minerando durante décadas praticamente em seu quintal! É preciso cobrar, numa só voz, a solução para quem foi prejudicado por esse crime ambiental há muito tempo anunciado. E o governo federal tem muita responsabilidade nisso tudo. Seja pela participação efetiva da Petrobras nesse negócio bilionário; seja pelo fato de a Agência Nacional de Mineração ter concedido licença, por imposição governamental, para instalar um campo de mineração em pleno coração da cidade de Maceió e com subsolo contendo falhas geológicas comprovadas.

Como jornalista e autor do livro, qual a reflexão que você quer deixar com a obra?

Eu qualifico a publicação como uma reportagem de fôlego. Ela não se constitui num relatório contrário ao setor químico-plástico, cujos produtos fazem parte do cotidiano das pessoas. É uma crítica histórica de como não se deve tratar o interesse público, ainda mais sob falsa premissa de desenvolvimento. O Sul de Maceió deveria ter sido utilizado para qualificar ainda mais a nossa cidade e as pessoas que vivem aqui e visitam ela. Nesse lamentável caso, o conceito de sustentabilidade foi jogado na lata do lixo, quando desenvolver é preservar o maior ativo que possuímos, que é o meio-ambiente. Este, sim, fundamental para o bem estar das pessoas e que tanta oportunidade oferece.


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